sábado, 12 de junho de 2010

Amigos Impermeáveis

FridaKahlo-The-Broken-Column-1944

Hoje criei os amigos impermeáveis.

como os guarda-chuvas.

como as gabardinas.

Como essas botas de água a que os espanhóis chamam carinhosamente Katiushkas.

Digo, estes amigos não os criei eu. eles foram-se construindo a si próprios, trabalhando arduamente, ano após ano, até chegarem ao seu estado de impermeabilidade actual. Apenas lhes faltava um nome - esse com que, a partir de hoje, passo a designá-los.

Estareis perguntando o que é, afinal, isto do amigo impermeável.

Passo a explicar: esta espécie começa a manifestar-se por volta dos trinta anos, quando o quotidiano invade os sonhos, apoderando-se deles não só durante o sono como também à mesa do café. Esta classe de amigo caracteriza-se por desenvolver uma espécie de capa protectora feita de materiais orgânicos praticamente invisíveis que lhe envolve o corpo todo, impedindo, pouco a pouco, o contágio de qualquer partícula de emotividade de outro tipo de espécies mais volúveis.

Os seus feitos, o seu humor, as suas alegrias e desgostos, dependem única e exclusivamente de si próprio, uma vez que, ainda em contacto directo com outras estirpes, não sucumbe nunca a paixões alheias ou a arrebatos momentâneos que não sejam os que estão gravados nas suas entranhas.

O amigo impermeável basta-se a si próprio, não dependendo de nada para o proteger da intempérie. Agasalhado com esse grosso tecido epidérmico, quase nunca se apercebe que às vezes faz frio.

Como o seu sentido de audição é altamente variável, às vezes pode ouvir os nossos gritos (outras vezes não).

O relacionamento de esta espécie de indivíduo com as demais estirpes humanas não poderá, pois, ser pacífico.

No entanto, quem alguma vez se cruzou no seu caminho com um destes amigos impermeáveis, saberá que podem deixar saudades.

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