
Continuava a sentir aquela coisa a nascer dentro de mim.
Quando me dei conta pululavam na minha cabeça de uma forma atabalhoada histórias e vidas passadas.
Pensava em Creta Kano, por agora misteriosamente muda, em Malta Kano, a alimentar-se da água espirituosa da ilha de Malta, em Abdullah, o afegão que estará agora mesmo voando a caminho da Ásia Central, em direcção Kabul, em Kumiko, que desapareceu sem deixar rasto, em Hassan a levar os turistas a dar voltas de camelo às portas de Mhamid, no Sahara Ocidental, no homem-toupeira que já enterrei vezes sem conta, na minha chegada a La Paz com um pulmão suplementar.
Pensava principalmente em Toru Okada, mergulhado na escuridão do seu poço profundo, alheado do mundo terráqueo para reflectir até à exaustão, até sair do seu próprio corpo e libertar a mente para atmosferas mais longínquas. Pensei que o meu poço poderia ser já ali.
Não sei se será Ursa Menor ou um fragmento energético de uma corrente mais vasta, ligada à central da electricidade cósmica universal.
Entrtanto olho-me todos os dias ao espelho, à espera de ver nascer no meu rosto uma mancha escura e quente na face esquerda. Uma mancha viva e palpitante, semelhante à de Toru Okada e ao avô de Canela.
Sei que em breve crescerá essa mesma mancha no meu próprio rosto, como sinal exterior dessa outra coisa que já começou a crescer.
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