quinta-feira, 13 de março de 2008

Pasavento

Enquanto lia as biografias sórdidas de um sem-número de ilustres suicidas na revista literária "Vacaciones en Polonia", dei de caras com uma palavra desconhecida que qualificava o meio eleito por alguns dos suicidas para consumar o seu acto de auto-desaparecimento: "defenestrado".
Depois de várias investidas no sentido de saber tão misterioso significado (ao que parece não é uma palavra demasiado comum), esclareceram-me que defenestrarse (en español, por supuesto) era deixar-se morrer; definhar naturalmente; desfalecer por desinteresse, por inércia, por anti-vigor.
Pareceu-me, de imediato, o suicídio mais poético da história dos suicidas, uma vez que não exige deles qualquer acto físico determinado para pôr fim à vida, mas apenas uma auto- negação da mesma.
Desde o dia em que aprendi esta palavra tento usá-la o mais possível, e a verdade é que ela também faz incursões recorrentes, às vezes subreptícias, no meu dia-a-dia, vá-se lá saber porquê.

A mais recente aparição esconde-se sob o nome de Doutor Pasavento, essa preciosa personagem de Vila-Matas que me tem acompanhado nos últimos dias.
Pasavento tem o desejo mórbido de se retirar da vida; de existir sem deixar rasto; de seguir os passos para ele exemplares desse ilustre desconhecido que morreu no dia de natal enquanto caminhava pela neve, o seu mentor espiritual, Robert Walser.
O Doutor Pasavento escreve a lápis, com uma caligrafia microscópica, como quem se apaga lentamente de um reconhecimento não desejado. E um dia decide desaparecer. Ainda que ninguém o procure.

"Se alguma vez uma mão, uma oportunidade, uma onda, me levantasse e me puxasse para cima, ali onde impera o poder e o prestígio, faria em pedaços as circunstâncias que me tivessem levado até ali e atirar-me-ia eu mesmo para baixo, para as ínfimas e insignificantes trevas. Só consigo respirar nas regiões inferiores."

Robert Walser em "Doutor Pasavento, de Enrique Vila-Matas

2 comentários:

Maria Brito disse...

a defenestração é uam defeánstrofe!!!
E pior que tudo, é quando isso não implica uma decisão mas uma falta de opções inconscientes que te levam a esse limbo de uma forma linear sem que possas entender o caminho que estás a percorrer.

Maria Brito disse...

perdao... queria dizer que a defenestração é uma defenástrofe!