quinta-feira, 14 de junho de 2007

9. Freakshow

Terá sido obra do acaso, mas parecia que todas as personagens de Lavapiés tinham marcado uma reunião no Traveling bar para montar um Freakshow.
Atrás do balcão, local privilegiado para considerações sociológicas de primeiro grau, divirto-me a observar os espécimes: no canto direito está sentada Puri, uma alcoólica quarentona cujos silêncios são interrompidos pontualmente por um grito de Rock'n'roll!! ; ao seu lado Gabi, um actor cinquentão mal-encarado que já trabalhou com Almodóvar e não suporta que ponhamos as caricas nos cinzeiros; ao centro Paco Sevilla, pseudo-poeta com a paranóia de que tem alergia ao vidro, sempre agarrado a um copo de plástico que traz do bar anterior e que me pede que vá enchendo de cerveja. Com Paco Sevilla vem Alfredo, candidato a escritor, esquizofrénico de profissão, que passou uma semana no bar com uma máquina de escrever a divagar sobre a exposição de fotografia do Juan Carlos e outra semana a calcorrear todos os bares de Lavapiés com um caderno onde as pessoas tinham que escrever três coisas que gostariam de guardar numa arca que fosse enterrada agora e descoberta daqui a 3000 anos (ofereceu-me o exemplar original como se de uma relíquia se tratasse); também está Crusty com o seu chapéu de cowboy, há quanto tempo não o via, o fantástico cantor americano que só tem um dente e se auto-intitula "el caballo regalado" (...no se le mira el diente!) e intercala as interpretações de Johnny Cash e Velvet Underground com o trabalho no campo, com foice e sem martelo. Ao fundo Juan Carlos, inveterado bebedor de sumos de ananás e cafés com leite cuja missão é fotografar a população lavapiense; ao seu lado Abdullah, o persa com olhar de menino, fotógrafo de guerra, perito em escapar da morte por milímetros (a última das vezes neste mesmo bairro, quando caiu um pedaço de um edifício por onde acabava de passar); no lado esquerdo do balcão estão os Pakis e os Banglas, Tito, Pepe e o Índio, que vêm todas as noites beber copas e chupitos de Ron miel - serão certamente os mais normais desta amostra, mas talvez porque falem pouco espanhol.
Já quase no fim da noite a cereja no topo do bolo: Paquillo, uma das personagens mais características de Lavapiés, pintor de rua e desenhador de Panteras Cor-de-Rosa, filho de Woodstock, alcoólico irreversível, uma criança em ponto grande acarinhada por todos.
Atrás do balcão observo-os a todos com um sorriso nos lábios e com a certeza de que sentirei a sua falta quando este freakshow chegar ao fim.

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